Por: Sergio Vitor Guerra
O atípico calor na Europa, onde os termômetros passaram de 40ºC em países como o Reino Unido, a Espanha, a França e Portugal acendeu a luz de alerta nos respectivos governos sobre as mudanças climáticas cada vez mais constantes no mundo. Enquanto isso, no setor corporativo, escândalos de assédio moral e sexual envolvendo a alta cúpula de grandes empresas com seus colaboradores trazem reflexões acerca das relações no ambiente de trabalho e quais efeitos elas têm na sociedade. Por fim, uma pesquisa da consultoria Mais Diversidade, divulgada em junho deste ano, revelou que 70% dos profissionais LGBTQIA+ se sentem inseguros no seu trabalho.
Alguns desses sinais climáticos e sociais apontam para a necessidade de uma mudança rápida de status quo. As instituições privadas passam a ter responsabilidades sociais, ações de melhores práticas de governança e atenção ao meio ambiente. Esses movimentos se enquadram na sigla cada vez mais popular no mundo corporativo: ESG (Environmental, Social and Corporate Governance).
A governança ambiental, social e corporativa é bem vista pelo consumidor, que apoia e prioriza empresas dedicadas a temas socioambientais. Um levantamento da consultoria Nielsen em 60 países mostrou que 66% das pessoas estão inclinadas a pagar mais por serviços e produtos em companhias que adotam ações dessa natureza.
O mercado segurador brasileiro é apontado como uma liderança nesses quesitos, sobretudo em sustentabilidade. De acordo com a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), o segmento reúne o maior número de empresas signatárias nos Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI), iniciativa desenvolvida para ser uma referência de boas práticas no mercado. “Cada vez mais comprometido com as questões sustentáveis, o setor segurador tem considerado aspectos relacionados às mudanças climáticas ao avaliar ativos para investir recursos próprios, reservas técnicas, fundos de previdência e demais recursos financeiros”, conta, Solange Beatriz Palheiros Mendes, diretora executiva da confederação.
Na sua análise, o nível de maturidade com o qual as empresas tratam e desenvolvem ações sobre o tema ainda é diferente. Segundo o Relatório de Sustentabilidade de 2020, material desenvolvido pela própria entidade, cerca de 90% das empresas participantes do estudo afirmam que já integram questões ESG em seus planejamentos estratégicos. Enquanto isso, 47,4% incluem critérios de sustentabilidade na gestão de investimentos e nos processos de subscrição de riscos.
Embora não seja seu dever fiscalizar as seguradoras, a CNseg é ativa na difusão do tema no Brasil. A confederação adotou a sigla ASG, que tem o mesmo sentido, mas se utiliza como tradução literal: Ambiental, Social e de Governança. Em 2012, a entidade criou a Comissão de Integração ASG (CIASG), no contexto da realização da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio +20) e do lançamento dos Princípios para Sustentabilidade em Seguros.

“Uma das principais atribuições da Comissão é promover a integração das questões ASG nas operações do setor de seguros e na sua cadeia de valor, por meio da geração de conhecimento e estabelecimento de compromissos setoriais que fomentem a geração de novos negócios. A SIASG divulga os Princípios para a Sustentabilidade em Seguro, PSI, por meio da realização de eventos, e da elaboração anual do Relatório de Sustentabilidade do Setor de Seguros, com base nas diretrizes do Global Reporting Initiative (GRI)”, explica Solange.
Atualmente, a CNseg patrocina a realização de um projeto em parceria com a UNEP FI. A iniciativa, que terá nove meses de duração, tem o objetivo de orientar as seguradoras brasileiras sobre a análise dos riscos climáticos, de acordo com as recomendações da Força-Tarefa sobre divulgações financeiras relacionadas ao clima.
Serão quatro frases, segundo a diretora da confederação. “A primeira, educativa, com treinamento para integrantes do setor segurador. No passo seguinte, uma consultoria vai produzir um heat map (mapa de calor) sobre riscos climáticos por cada região brasileira. Na sequência, será estimado o impacto financeiro dos riscos ASG e, por último, será produzido um relatório que será dividido com a indústria”, pondera.
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Avanço regulatório
Em 30 de junho deste ano, a Susep publicou a resolução 666/2022, que estabelece requisitos especialmente de sustentabilidade no mercado de seguros. A circular entrou em vigor em 1º de agosto e requer das companhias a inclusão dos riscos de sustentabilidade nas suas estruturas de gestão de risco tradicionais, a criação de uma Política de Sustentabilidade e a elaboração de um relatório anual, que apresenta riscos e oportunidades relacionados a aspectos ASG e climáticos.
Na análise de Thomas Batt, CEO da AIG Brasil, além do cumprimento dos requisitos ESG na operação do segmento de seguros, a agenda também é uma oportunidade de negócios para o segmento. Isso porque, segundo ele, ao analisar e gerenciar riscos, seguradoras, resseguradoras e demais agentes do setor podem oferecer soluções que contribuam para a perpetuação do conceito no meio empresarial e industrial, independentemente do porte ou segmento de atuação.
Um exemplo disso é a exigência do seguro ambiental em diversos tipos de contratos, financiamentos e concessões. “Para se ter uma ideia da evolução do seguro, quando a AIG trouxe esse produto para o Brasil, no início dos anos 2000, era um mercado ainda inexplorado. O pioneirismo da companhia foi além da comercialização do seguro, mas também de trabalhar junto a corretores parceiros a conscientização sobre esses riscos e como as coberturas do seguro poderiam ser aliadas de diferentes ramos de negócios em situações de acidentes ambientais”, explica o executivo.

Responsabilidade do mercado segurador
A agenda ESG deve ser parte essencial da gestão das organizações, tendo em vista que a possibilidade de um risco socioambiental pode elevar os custos financeiros de determinada operação, diminuindo, inclusive, a receita dos acionistas. O CEO da AIG Brasil salienta que qualquer negócio, seja na indústria ou serviço, está sujeito a um risco e, por isso, é fundamental que as empresas tenham um plano de gerenciamento implantado.
Segundo Blatt, as companhias seguradoras, além de terem suas responsabilidades, também contribuem para a análise e gestão de riscos nas demais empresas. “Para auxiliar as empresas na gestão de riscos socioambientais, a seguradora tem um papel fundamental. Mais do que simplesmente vender um seguro, é importante que ela atue de forma consultiva junto ao cliente, visando conscientizar sobre a prevenção de acidentes que podem acionar o seguro”, explica.
Anualmente, a AIG publica seu Relatório de Sustentabilidade, que aborda fatores sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que permite o progresso econômico. Neste ano, a companhia atribuiu ao levantamento os conceitos de Meio Ambiente, Ações Sociais e na Comunidade de Governança Corporativa mais bem definidos de acordo com a agenda ESG. “Entre os destaques do Relatório está o compromisso da AIG em reduzir a emissão dos gases causadores do efeito estufa até 2050 ou antes”, projeta o executivo.
Mais do que os cuidados ao meio ambiente, a agenda ESG atribui às instituições privadas o papel da construção de uma sociedade mais justa, com respeito às diversidades e promovendo ações inclusivas. Na Wiz, por exemplo, essa cultura está cada vez mais forte, segundo Carolina Bento, Diretora de Gente e Cultura da Wiz Soluções.
A executiva relata que o propósito da companhia é de estimular as pessoas para a construção de uma sociedade cada vez melhor. “Aqui falamos de desenvolver tanto os nossos colaboradores quanto aqueles que não o são. O importante é contribuir com o desenvolvimento de pessoas. Acreditamos que isso é capaz de mudar vidas e, consequentemente, nossa sociedade”.
À medida que o debate sobre ESG se populariza, o setor corporativo passa por uma transição de priorização de shareholder (investidores) para stakeholders (partes interessadas). As organizações, conta Carolina, precisam compreender que há uma responsabilidade e um débito com a sociedade.
“Por isso, é preciso garantir que todas as partes interessadas impactadas direta ou indiretamente pelo negócio da organização estejam contempladas pela estratégia corporativa para que haja sucesso”, conta a executiva. “Além disso, precisamos ressaltar que práticas relacionadas à diversidade e inclusão fomentam a inovação, a criatividade organizacional e o clima organizacional, o que reflete, inevitavelmente, em melhores resultados financeiros”, observa.

“As empresas privadas têm o dever de promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”, conclui Carolina.
O mundo dá sinais de que o processo evolutivo da humanidade precisa continuar para garantir um futuro próspero às próximas gerações. As organizações passam a ser responsáveis na construção de uma sociedade coesa, na qual os interesses individuais precisam ter o mesmo peso das preocupações com o coletivo. Logo, a palavra ‘lucro’ no ambiente de trabalho passa a ter vários significados, como tolerância, diversidade e equidade.
Leia, por fim, a 26ª edição da revista: