Sancionada pelo governo federal em junho deste ano, Lei 14.599 determina que transportadores e caminhoneiros autônomos contratem seu próprio seguro de carga
Ao abrir as portas da TransFerrari pela primeira vez em 1997, o fundador Rogério Ferrari destinou parte dos seus investimentos iniciais numa apólice de seguro. A preocupação tinha justificativa: apesar da dificuldade de conseguir informações sobre roubos de carga na época, um levantamento conjunto realizado pelos sindicatos das empresas de transporte de carga de São Paulo, do Rio de Janeiro e da Bahia mostrou que as ocorrências nos estados da região Sudeste causaram prejuízos de aproximadamente R$ 160 milhões em 1996.
Anos depois, o cenário mudou. O estudo internacional “BSI & TT Club Cargo Theft Report 2020” revelou que o Brasil é o país onde mais se rouba carga no mundo. Mesmo com a sinistralidade crescendo anualmente, a transportadora paulista de Rogério expandiu suas operações e passou a atender por intermédio de mais quatro filiais.
Além de valorizar o seguro desde cedo, Ferrari lembra que uma das razões para o crescimento da empresa é a importância do setor para a economia. “É um transporte eficiente que consegue baixar os custos operacionais das empresas. A TransFerrari uni vários pólos industriais, levando logística para o Brasil inteiro. O setor também é responsável por elevar o índice de emprego, pois é uma área que demanda bastante mão de obra”.
Desde a primeira apólice de seguro da companhia até os dias atuais, houve um perceptível avanço no âmbito legislativo. O mais recente é a Lei 14.599, sancionada pelo governo federal em 19 de junho deste ano, que transfere a obrigação da compra do seguro pelos embarcadores para os transportadores. Ferrari entende que é uma evolução o compromisso ficar a cargo das empresas de transporte. “É mais fácil para o transportador ter toda a responsabilidade do seguro, porque a carga já está com ele. A depender do tipo de sinistro, podemos ter vantagens numa negociação melhor na base de cálculo da seguradora”.
O especialista técnico da Wiz Corporate, Marcio Botelho, explica que a implementação da nova regra retirou dos embarcadores a autonomia e a automaticidade que possuíam junto às seguradoras. A relação ofertava ao agente logístico apólices estipuladas para os danos à carga relativos aos acidentes rodoviários e à cobertura de roubo prevista na carta de dispensa de direito de regresso, costumeiramente chamada de DDR.
“A apólice de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas – RCTR-C, que sempre foi obrigatória, era suprida por meio da apólice Estipulada concedida pela seguradora do embarcador de carga ao transportador rodoviário”, lembra Botelho. “Agora, será obrigatório também, a contratação da apólice de Responsabilidade Civil Desaparecimento de Carga, a antiga e extinta, RCF-DC – ramo 55”, completa.

A contratação obrigatória dessa modalidade vai estimular o aumento da oferta de seguro pelo agente logístico, segundo o especialista técnico da Wiz Corporate. Enquanto isso, “os embarcadores pensarão preventivamente à boa governança na gestão dos riscos que envolvam sua carga: acidentes rodoviários, avarias particulares e o roubo em si”, projeta.
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O executivo prega cautela com os efeitos da nova Lei. “Terá um tempo para mostrar ao mercado nacional de seguro e ao competente órgão regulador se tal implemento continuará assegurando a saúde financeira do setor”. Caso os impactos sejam negativos, Botelho afirma que a carteira vai buscar novos mecanismos que assegurem sua existência. “Se no dia a dia das ocorrências de sinistro, a relação entre prêmio emitido versus sinistros indenizados manter-se equilibrada com resultado financeiro saudável, o modelo advindo da nova lei permanecerá no desenho atual”, conclui.
O consultor do negócio
Rogério Ferrari lembra que sempre fechou o seguro por intermédio do corretor, profissional que, segundo ele, “é o representante da seguradora, pois tem ligação direta com ela”. As corretoras, de fato, estão próximas das companhias, mas poucas são especializadas em seguro de transporte. A Insert Seguros, por exemplo, é uma delas. O CEO da empresa, Roberto Schimith, afirma que a especialização é fundamental para traduzir a “sopa de letrinhas” dessa carteira.
As principais diferenças apontadas por Schimith são a capacidade que o corretor deve ter ao entender o tipo da mercadoria transportada, as particularidades das regiões e o conhecimento sobre o caminhão e o caminhoneiro. “Os valores transportados por caminhões são muito elevados. O corretor faz essa intermediação, deixando o risco bem dimensionado, tendo responsabilidades no gerenciamento de risco e no preenchimento do perfil do segurado”, avalia.

O executivo ressalta que é incomum encontrar corretoras tão segmentadas, mas ele lembra que a Insert Seguros nasceu com esse propósito e se estabilizou no mercado mantendo a premissa. “Hoje atendemos 712 transportadoras a nível nacional”.
Corroborando com a análise do fundador da TansFerrari, Schimith destaca que a mudança da Lei está sendo bem recebida pelos transportadores, que superam uma situação de insegurança jurídica e passam a ser um contratante, com a autonomia de ajustar a apólice de acordo com suas necessidades. “É um ganho para as transportadoras, pois a prerrogativa da contratação agora é do transportador. A gestão, de fato, fica na mão dele, que de coadjuvante passa a ser protagonista nas tomadas de decisão”, conclui.
Leia, por fim, a 35ª edição da revista: