Por Paulo Guerreiro*
A grave estiagem que ocorreu no Norte do Brasil até início de dezembro foi a pior em décadas: o Rio Amazonas e seus principais afluentes atingiram níveis críticos no período. Como a região concentra rotas de navegação estratégicas, o cenário sinalizou a iminência de uma crise de abastecimento. No caso do Rio Amazonas, tivemos um impacto direto no transporte de cargas do polo industrial de Manaus.
Já o Rio Madeira, um dos principais afluentes, é o maior corredor de exportação de grãos do estado de Rondônia e escoa parte da produção do Centro Oeste. Geralmente, a hidrovia do Madeira permite a navegação de grandes comboios com até 18 mil toneladas, mesmo em tempos de estiagem. Porém, devido à falta de chuvas que ocorreu no período, o nível do rio baixou de forma acentuada desde 2021 chegando a números históricos.
Para se ter uma ideia, em maio de 2022, o nível de 11 metros já era considerado crítico. Em setembro, a cota foi reduzida a 1,94 metro e em outubro subiu para apenas 3,10 metros. De acordo com a Defesa Civil, em alguns pontos foi possível ver bancos de areia e pedregais no meio das águas.
Desafios para embarcações
Nesse cenário, as embarcações ficaram limitadas e seguindo com cargas reduzidas quase pela metade. O tempo de viagem também aumentou: o percurso de um dia, por exemplo, agora dura por volta de 3 dias. Já a navegação noturna ficou proibida devido à ocorrência de bancos de areia, que poderia causar acidentes e encalhar embarcações.
Reação em cadeia
O impacto de uma estiagem do Rio Amazonas na cadeia de abastecimento brasileira vai além das fronteiras regionais. A hidrovia integra uma logística intermodal por meio do serviço de cabotagem, cuja rota cruza toda a costa brasileira, tendo como destino Buenos Aires, na Argentina.
Por isso, na prática um problema como este afeta toda a rota de alimentos e bens de consumo, no sentido Northbound com destino às regiões Norte e Nordeste, partindo do Sul e Sudeste. Além disso, situações como essa pode impactar diretamente a produção da Zona Franca de Manaus por falta de insumos.
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Tendência de fenômenos extremos
As variações de nível do Rio Amazonas e seus afluentes sempre foram uma particularidade da região. Em junho do ano passado, a situação era totalmente oposta: o Rio Negro, por exemplo, passava por uma cheia e a orla de Manaus alcançou a marca de 29,75 metros. No início de outubro deste ano, o nível caiu para 13,56 metros – o pior índice em 100 anos. Em novembro, recuperou-se para 17,65 metros.
Já no Rio Madeira, o recorde de estiagem foi registrado em 2005, quando o nível chegou a 1,36 metro. Em contraponto, na cheia de 2014 o rio transbordou, inundou a BR-364 e engoliu comunidades ribeirinhas e bairros da capital, destruindo imóveis e empresas.
De qualquer maneira, não podemos negar que esses fenômenos vêm apresentando contornos mais extremos e frequentes – o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indica o menor volume de chuvas do Amazonas nos últimos 15 anos. Trata-se de uma consequência direta das mudanças climáticas, que alteram os padrões de precipitação de chuvas a ameaçam as atividades produtivas.
As estratégias de mitigação dos riscos de estiagens
Em um contexto de clima cada vez mais instável, o seguro paramétrico pode ser uma ferramenta interessante para mitigar a volatilidade da receita e impactos no fluxo de caixa gerados por eventos inesperados.
Essa modalidade de seguro é construída em torno de um índice mensurável baseado em parâmetros predefinidos (daí vem o nome), sem a necessidade de danos físicos para ser acionado.
Por exemplo: para os produtores que escoam sua produção pelo Madeira, os efeitos diretos da diminuição do nível da água podem ser inexistentes, mas os impactos financeiros da perda de receita associada podem ser críticos para o resultado da companhia.
Neste caso, podemos construir uma cobertura paramétrica baseada no nível do rio, de maneira que o impacto financeiro gerado pela falta de navegabilidade é suavizado pela indenização do seguro.
É um produto de abrangência ampla, capaz de atender diversas situações relacionadas ao clima como: excesso ou falta de chuva, vento, sol, temperatura, entre outros. Vale como solução para riscos climáticos que possam ser atrelados a um índice, independentemente do setor – por exemplo, logística, agronegócio, infraestrutura e energia.
* Paulo Guerreiro é diretor de Portos e Terminais da Marsh Brasil