Setor atinge alto índice de reclamações com a retomada gradativa dos compromissos presenciais. A pandemia reduziu a renda dos prestadores, enquanto o preço dos combustíveis disparou, desestimulando a sua atividade
No início da noite de domingo do dia 20 de fevereiro, o aposentado Oswaldo Bandini, 57, entrou com seu veículo numa vala enquanto dirigia rumo a sua casa, que fica no município de Cubatão, região litorânea de São Paulo. Como o carro tem seguro e a sua apólice prevê cobertura de assistência 24h, Bandini tentou acioná-la pelo site da seguradora, mas sem sucesso. Logo em seguida, decidiu entrar em contato com o seu corretor.
Na primeira tentativa, o corretor conseguiu sinalizar a ocorrência à companhia e comunicou rapidamente ao seu cliente com o intuito de tranquilizá-lo. A tranquilidade foi diminuindo a cada minuto de espera do aposentado. “A assistência só veio no dia seguinte por volta das 8h30 da manhã”, lembrou. Após passar horas parado na estrada, Bandini descreve sua sensação. “A experiência foi péssima. O carro caiu na vala e o local era bem deserto. Fiquei durante horas sozinho sem assistência”.
O relato do segurado é mais um entre vários outros que aconteceram nos últimos anos. Segundo o levantamento do Sincor-SP, a cada mil acionamentos de assistência 24h existem 40 reclamações. O problema central da crise instaurada nos serviços de assistência tem relação direta com os impactos da pandemia. Isso porque a crise econômica sofrida durante esse período refletiu no faturamento das empresas de assistência, reduzindo a mão de obra qualificada e obrigando alguns prestadores a deixarem suas atividades.
Porém, na linha de frente desse problema, sendo alvo de constantes reclamações, estão corretores e seguradores, que têm contato direto com o segurado. Com o intuito de estudar, entender e aplicar medidas de controle desse desequilíbrio, a FenSeg e a Fenacor criaram um grupo de trabalho para monitorar as situações nos estados, principalmente em São Paulo, onde é o maior número de ocorrências.
Marcelo Sebastião, presidente da Comissão de Seguro Auto da FenSeg, afirma que os desgastes externos como a pandemia, o preço dos combustíveis e as temporadas chuvosas impactaram no mercado segurador, sobretudo nas assistências.
“Todos esses aspectos têm relação direta com o cenário atual. A raiz das dificuldades verificadas nos serviços de assistência se relacionam com a pandemia de Covid-19 e a crise econômica enfrentada nos últimos dois anos, que refletiu-se na queda de faturamento e lucro das empresas de assistência, bem como na redução da sua força de trabalho”.
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Para dificultar ainda mais esse cenário, algumas empresas fecharam ou venderam sua frota de veículos quando se depararam com a gestão de um modelo de negócio deficitário. “O forte aumento no custo dos combustíveis, especialmente o diesel, agravou ainda mais esse cenário que já era crítico, além da questão da mão de obra, que se tornou mais escassa, já que muitos dos empregados mudaram de atividade”, destaca o diretor da FenSeg.
O Grupo de Trabalho Misto, como chamam as entidades, viabilizou a elaboração de um plano de ação para identificar e solucionar os problemas nos serviços de assistência aos segurados. “A partir daí, o GT (grupo de trabalho) atesta o compromisso de todas associadas em reverter a situação no menor prazo possível. A conquista de resultados das ações em andamento está condicionada a uma atuação conjunta entre seguradoras, corretores e empresas de assistência. Ao fim e ao cabo, a gestão caberá a cada uma das seguradoras. Seguimos monitorando as ações, focados em restabelecer o quanto antes a melhor experiência aos segurados”, pondera Sebastião.
A expectativa da FenSeg sobre os próximos meses é de um serviço cada vez melhor, já que o grupo está empenhado em auxiliar as seguradoras e os corretores de seguros. “No que depender das associadas, temos clareza do empenho nas ações de melhorias, que também passam, em boa parte, pela melhora do cenário econômico, estabilização no preço dos combustíveis e insumos em geral, além da mão de obra qualificada”, comenta o diretor da Federação.
O corretor de seguros Marcelo Monteiro já viveu essa experiência com alguns dos seus clientes.
“O segurado tenta acionar a assistência 24h e finalmente quando consegue solicitar o serviço, o atendente informa que não há prestador disponível. Isso acaba com a paciência de qualquer um, principalmente porque o cliente está pagando por essa cobertura”, opina.
Segundo Monteiro, entrar em contato para solicitar o serviço também é um problema, pois, na sua análise, o atendimento eletrônico costuma confundir o cliente, mas esse ele não considera um dos principais problemas. “Tenho saudade de quando o único inconveniente de chamar a assistência 24h era ouvir uma musiquinha antes de ser atendido”, lembra.
De quem é a culpa da crise da assistência 24h?
Quando o serviço deixa a desejar, quem está na linha de frente acaba sendo exposto. Nesse caso, os seguradores e os corretores recebem as queixas dos clientes e, na maioria dos casos, são responsabilizados pelo problema do atendimento.
O presidente do Sindseg RJ/ES, Antônio Carlos Costa, explica que o primeiro ano da pandemia diminuiu os acionamentos assistenciais, pois muitas pessoas passaram a trabalhar de casa. Logo, os prestadores de serviço foram impactados financeiramente, e muitos deles deixaram de exercer a atividade. No segundo semestre de 2021, quando gradativamente as atividades presenciais voltaram, o problema implodiu, já que o volume de acionamentos voltou à normalidade, enquanto a quantidade de assistentes permaneceu baixa.
Na análise do especialista, não existe um responsável por essa má fase da assistência 24h. “Não estamos apontando culpados, pois esse problema é nacional. Os seguradores estão muito incomodados com essa situação, que se agravou no segundo semestre do ano passado”.
O presidente do Sindseg relata que as seguradoras já implantaram medidas emergenciais e estão auxiliando o sindicato em uma nova pesquisa de satisfação para acompanhar o processo de ajuste. “Percebemos nas medições, principalmente no NPS, que já ocorreram melhorias, mas a estabilidade no serviço não acontece de um dia para o outro”.
Segundo o levantamento realizado pelo Grupo de Trabalho, em 2020 havia pouco mais de 18 mi de veículos segurados no Brasil. Nesse mesmo ano foram registrados 6 milhões e 800 mil acionamentos de assistência. Já no ano passado, as solicitações superaram a marca de 7 milhões somente até junho. No seguro residencial, em 2021, 11 milhões de casas estiveram seguradas, enquanto o acionamento do serviço de 24h ficou em 3 milhões e meio.
Em início de mandato, o presidente do Sincor-SP, Boris Ber, garante redobrar as atenções da sua gestão para a crise. “É um assunto complexo e de entendimento super difícil. Por isso, o Sincor faz um trabalho sério, recebendo as reclamações pelo Disk Sincor, um canal para o corretor reportar seu problema”. Boris reforça, ainda, que as seguradoras devem fortalecer o seu relacionamento com os prestadores, enquanto para os corretores, o presidente recomenda deixar de criticar as companhias de seguros para os seus clientes.
“O problema é macro e não micro. Assim como no setor de auto, o atendimento de assistência nas residências também aumentou em um momento que a pandemia prejudicou esse tipo de serviço. Muitas empresas de guincho, inclusive, quebraram, e agora precisamos encontrar um equilíbrio”, observa o líder do sindicato de São Paulo.
Assim como a sociedade busca voltar à normalidade depois dos impactos da pandemia de Covid-19, o ecossistema de seguros trabalha em conjunto para recuperar o setor de assistência. Para o presidente do Sindseg RJ/ES esse objetivo está prestes a ser alcançado. “Cerca de 60 dias”, projeta.
Leia, por fim, a 22ª edição da revista: