Fonte: IstoÉ
Depois de um escândalo que quase derrubou a empresa criada há 80 anos, a nova gestão do IRB saneou sua contabilidade em um prazo recorde. Daí vieram relatórios negativos que surpreenderam pequenos investidores. Eles suspeitam de manipulação
A história do IRB Brasil Re, empresa que já teve o monopólio no setor de resseguros, tem se mostrado um caso exemplar das fragilidades do mercado de capitais e das dificuldades das companhias de capital aberto em se reerguerem. As ações do IRB estiveram entre as mais comentadas da B3, a Bolsa brasileira, até o início deste ano. Até que estourou um escândalo de má gestão que derrubou os seus papéis.
Uma nova administração, tendo à frente Antônio Cássio dos Santos, ex-CEO do Grupo Generali, focou a partir de março na limpeza do balanço, na transparência e no reforço do compliance. Em um período muito curto, conseguiu reverter as expectativas, numa ação bem-sucedida que culminou com um aumento de capital de R$ 2,3 bilhões, com aportes de sócios como Bradesco e Itaú.
Esse esforço foi reconhecido. Mesmo que as ações tenham vivido uma montanha-russa, pequenos investidores apostavam que os papéis refletiriam o novo momento, apesar de levarem um tombo de 80%. Isso ocorreu até que novas turbulências surgiram, especialmente quando o banco UBS BB lançou um relatório pessimista que surpreendeu o mercado no início de outubro. Foi uma mudança total de visão. Em janeiro, antes de o escândalo estourar, o UBS aumentou o preço-alvo das ações para R$ 50 e reiterou sua recomendação de compra. Porém, em 5 de outubro, o UBS BB (denominação após a parceria com o Banco do Brasil) passou a recomendar a venda das ações, que desabaram 17,11% em um único pregão. Apontou um preço-alvo de R$ 4,60, bem abaixo do valor negociado, o que provocou uma movimentação atípica dos papéis.
Isso irritou investidores privados. Mais de 40 fizeram uma denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Roberto Kurylenko, de Porto Alegre, é um deles. Ele participa ativamente de foros de aplicadores e acompanha com lupa as posições da companhia. “O relatório apontou um preço-alvo muito baixo, considerando o lucro da companhia. Colocou um viés muito negativo, pegaram os piores números”, diz. Como outros, ele suspeita de manipulação. Vê conflito de interesses em bancos que fazem previsões negativas e ao mesmo tempo aplicam no mercado de “shorts” (quando se aposta na baixa).
Ainda que a regulação impeça que a mesma instituição atue ao mesmo tempo nos dois lados, o fantasma da interferência é corrente. Carlos Eduardo Murilo, de Uberaba (MG), também ficou indignado. Além de acionar a CVM, enviou uma denúncia para dezenas de autoridades. “Foi um verdadeiro terrorismo, dá a impressão que foi combinado. Destruíram a vida de muita gente. Uma empresa de 80 anos com R$ 20 bilhões de patrimônio não pode virar pó. Querem tirar os pequenos investidores do negócio”, diz. No jargão do mercado financeiro, é a disputa entre sardinhas e tubarões. “Há muita manipulação na Bolsa”, concorda Tania G. Mangolini, que investe desde 2019. “O IRB é uma nova empresa, está se reinventando bem rápido. A nova gestão está fazendo um trabalho excepcional. E as ações não reagem, parece que estão travadas “, afirma.
A CVM diz que o processo aberto por esses investidores — sigiloso — ainda está em andamento. E não é o único. “O mercado está sujeito à regulação. O problema é que a CVM muitas vezes age tardiamente e não tem braço suficiente”, diz Marcos Roberto de Moraes Manoel, coordenador da área de direito societário e mercado de capitais do escritório Nelson Wilians Advogados.
“O acionista minoritário tem uma proteção muito deficiente. Não se leva a sério a defesa deles”, afirma. O resultado é o enfraquecimento do mercado e a fuga dos estrangeiros. O dado é alarmante porque o número de aplicadores na Bolsa cresceu para 3 milhões de pessoas físicas — eram 800 mil em 2018. Só neste ano, cresceu cerca de 80%. Apenas com os papéis do IRB, elas negociaram mais de R$ 8 bilhões em 2020. A ação também é a terceira mais procurada no Google, com mais 550 mil buscas.
Números positivos
A atual direção da companhia sustenta que o caminho da recuperação é claro. Ao divulgar os resultados do terceiro trimestre, reportou prejuízo de R$ 229,8 milhões. Sem os contratos que estão sendo expurgados do balanço, ela já teria registrado um lucro líquido de R$ 149,4 milhões. Os dados positivos acontecem depois de uma grande investigação, que auditou dados até 2018. Isso gerou uma denúncia entregue à CVM, à Superintendência de Seguros Privados (Susep) e à seção fluminense do MPF.
A ação corre em segredo de Justiça. Os acionistas decidiram responsabilizar os antigos gestores. Quanto ao processo citado acima, o UBS BB afirma: “Apoiamos a qualidade de nossos relatórios e refutamos quaisquer alegações de conflito de interesse, juntamente com outras acusações infundadas que foram feitas. Acreditamos que nosso relatório é equilibrado, independente e fornece uma análise objetiva para nossos clientes institucionais”. “Ficou esse gosto amargo para o pequeno investidor”, diz Eduardo Guimarães, especialista em ações da corretora Levante. “O atual ‘management’ do IRB é bom, o mercado tem essa percepção. Mas eles têm um trabalho longo pela frente. Pegaram uma terra arrasada”, afirma.
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