Confira a entrevista com o líder da Iniciativa PSI na ONU, Butch Bacani
Recentemente, a Iniciativa dos Princípios para a Iniciativa de Seguros Sustentáveis (PSI), vinculada ao Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEF-FI) da ONU, divulgou um relatório com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de abordagens analíticas que possam ser usadas pelo setor segurador para identificar, avaliar e divulgar os riscos relacionados às mudanças climáticas e as oportunidades relacionadas a essas mudanças em carteiras de subscrição de seguros.
O relatório, que contou com a colaboração de 22 grandes grupos seguradores e resseguradores globais, teve como base as recomendações da Força-Tarefa do Conselho de Estabilidade Financeira sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TFCD, na sigla em inglês).
Para sabermos um pouco mais sobre o papel das seguradoras, conversamos com o líder da Iniciativa PSI na ONU, Butch Bacani, que também já participou de inúmeros eventos da CNseg.
Qual é o papel do setor de seguros no combate às mudanças climáticas?
A indústria de seguros está posicionada de forma única para desempenhar um papel fundamental na construção de comunidades resilientes ao clima e na aceleração da transição para uma economia com emissões de zero carbono, em linha com os objetivos do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.
Como gestores de risco, as seguradoras ajudam as comunidades a compreender, prevenir e reduzir os riscos climáticos por meio de sua experiência em pesquisas, estatística, análise de riscos, modelos de risco de catástrofe e medidas de prevenção a perdas. As seguradoras também defendem o planejamento adequado do uso da terra, zoneamento e códigos de construção, promovendo, também, dessa forma, a redução dos riscos de desastres baseados no ecossistema.
Como portadores de risco, as seguradoras protegem famílias, empresas e governos, absorvendo choques financeiros gerados pelos riscos relacionados ao clima, como ciclones, inundações, calor extremo e secas. O processo de precificação de seguros pode considerar os riscos potenciais e recompensar os segurados por esforços de redução de riscos. Soluções de seguro para energia renovável, eficiência energética, ecossistemas naturais como florestas e manguezais que armazenam carbono, edifícios verdes, veículos elétricos e seguro de automóvel baseado no uso (pay per use) reduzem os riscos e permitem a transição para uma economia circular de emissões de zero carbono.
Além disso, as seguradoras são grandes investidoras institucionais, com mais de US$ 36 trilhões em ativos globais sob gestão. Os investimentos em infraestrutura, tecnologia e transporte com emissões zero e de baixo carbono, gestões sustentáveis da água e saneamento, agricultura sustentável e infraestrutura resiliente ao clima e a catástrofes naturais corroboram para a mitigação das mudanças climáticas.
Como você avalia o progresso e a trajetória das seguradoras no tratamento do tema das mudanças climáticas?
O setor de seguros tem um histórico significativo de quantificação e gerenciamento de riscos físicos, especialmente riscos de catástrofes naturais. O setor pode se basear em sua experiência na modelagem de riscos de catástrofes nas últimas décadas para quantificar e gerenciar os riscos físicos relacionados às mudanças climáticas. Contudo, ainda existem grandes incertezas. Dados sobre modelagem de cenários e de riscos nem sempre estão disponíveis, principalmente para riscos físicos em áreas onde estes não foram historicamente relevantes, bem como para riscos de transição, que são os riscos relacionados a mudanças de mercado, tecnológicas e regulatórias decorrentes da transição de uma economia de alto carbono para uma economia de emissões zeradas ou de baixo carbono. Já em relação aos riscos de litígio relacionados às mudanças climáticas, além de monitorar processos judiciais, é necessário desenvolver mecanismos mais sofisticados de avaliação e quantificação.
Embora haja um relativa conscientização da indústria de seguros global para melhor avaliar e gerenciar riscos físicos, de transição e de litígios relacionados ao clima, certamente há ainda muito trabalho a ser feito para a ampla compreensão de cada uma dessas categorias de risco. Além disso, existe a necessidade de se entender melhor como as abordagens para avaliação de riscos climáticos em carteiras de seguros e carteiras de investimento podem ser integradas.
Quais são os riscos aos quais as seguradoras estão particularmente expostas neste cenário de mudanças climáticas e quais ações elas podem tomar para mitigá-los?
Os riscos aos quais as seguradoras estarão mais expostas dependem do tipo de negócio subscrito e da localização dos riscos. Dependendo do nível de ação climática que estamos assumindo coletivamente como sociedade, os riscos de transição terão mais probabilidade de se desenvolverem na próxima década, enquanto os riscos físicos tendem a se tornar mais materiais a longo prazo. O que é digno de nota é a interação entre eles, pois uma ação mais efetiva no enfrentamento dos riscos de transição e na redução das emissões de gases de efeito estufa poderia ajudar a reduzir os riscos físicos a longo prazo.
Já os riscos de litígios relacionados ao clima também podem surgir, dependendo da extensão das ações da sociedade na redução da emissões de gases de efeito estufa e da adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Esta é, de fato, uma das principais razões pelas quais o PSI iniciou um projeto envolvendo 22 seguradoras e resseguradoras líderes de todo o mundo visando, em um cenário de mudanças climáticas, o aprimoramento da avaliação dos riscos físicos, de transição e de litígio relacionados ao clima nos negócios de seguros, em linha com as recomendações do Conselho de Estabilidade Financeira sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês).
Quais são as principais oportunidades para as seguradoras envolvendo as mudanças climáticas?
O setor de seguros está bem preparado para apoiar a transição climática, estendendo o alcance dos produtos de seguro existentes e desenvolvendo novas soluções. Com base no projeto piloto do PSI, as oportunidades variam regionalmente, juntamente com tendências e projeções relacionadas a tecnologia, energia, alimentação, transporte e comércio. Globalmente, o seguro de automóvel parece ser uma oportunidade chave devido à crescente proeminência de veículos elétricos. Os seguros para transporte ferroviário e marítimo de baixo carbono são outras oportunidades. Na América Latina, a análise mostra que o setor químico representa uma oportunidade para o seguro, dados os potenciais diferenciais de custo de produção em relação a outras regiões. É importante notar que a análise proposta pelo relatório captura apenas macrotendências, o que não se configura como uma previsão específica. Também não reflete a volatilidades de curto prazo e estresses de cadeias de produção, como os que estamos enfrentando atualmente em relação à pandemia de COVID-19.
Além disso, um número crescente de seguradoras e resseguradoras internacionais está fazendo a transição de suas carteiras de investimento para foco em emissões de zero carbono, o que cria perspectivas para outros players do mercado conduzirem esforços semelhantes em seus portifólios de investimentos. Com base nos mais recentes dados científicos sobre o clima, esta década entre 2020 e 2030 representa o período mais crítico para os países se atentarem às emissões globais de carbono e gases de efeito estufa a fim de alcançarem os objetivos do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.
Ao mesmo tempo, é importante lidar com os impactos adversos das mudanças climáticas que já estão sendo percebidos em todo mundo, seja pela magnitude da tragédia humana, insegurança alimentar e hídrica, grandes perdas econômicas, destruição da biodiversidade e degradação do ecossistema. Por meio da subscrição e análise de riscos climáticos, a indústria de seguros pode contribuir para a construção de um mundo mais consciente sobre riscos potenciais e acelerar a necessária transição climática de outros segmentos de mercado.
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