De direito constitucional a objeto de desejo e mercantilização, o mercado de saúde mudou

De direito constitucional a objeto de desejo e mercantilização, o mercado de saúde mudou

Planos de saúde atingiram sua capacidade máxima de entrada no mercado e produtos disponíveis não atendem ao bolso e ao desejo de boa parte dos consumidores

Por: Glaucia Saffa*

Em 2004, tive contato pela primeira vez com o dado de que apenas 20% da população brasileira tinha acesso aos serviços ofertados pelos planos de saúde. Em números, a ANS informava que o mercado de saúde regulado atingia 35MM de beneficiários, enquanto o IBGE marcava 180MM de brasileiros.

Os 10 anos seguintes foram de crescimento, com recorde de 50MM de beneficiários em 2014, oferecendo cobertura para 25% dos 203MM brasileiros. Esse recorde só foi superado em 2023 no pós-pandemia.

O fato é que nos últimos dez anos, entre subidas e descidas, o percentual de cobertura flutuou entre 20% e 25%, e acompanhou de forma consistente outros indicadores sociais, como a taxa de desemprego e evolução do PIB, delimitando de forma muito clara um teto para o mercado de saúde regulada.

Mas em um cenário onde planos individuais são cancelados, planos empresariais sofrem reajustes de dois dígitos e grandes grupos internacionais deixam as operações no Brasil, nos interessa saber o que mudou. 

Entre o colapso e as novas soluções

Se este artigo fosse técnico, nós poderíamos discutir inflação médica, custo hospitalar, frequência de uso dos serviços de emergência e judicialização, mas isso seria mais do mesmo. Então vou me ater aos fatores humanos.

É fato que as pessoas mudaram em 20 anos, especialmente como consumidores. Quem se lembra que em 2004 a internet ainda era discada? Que o Google foi lançado no Brasil em 2005? Ou que o WhatsApp chegou por aqui em 2009 e somente para iPhones?

Em 2024, os brasileiros ficaram em média 5 horas e 19 minutos usando a internet em seus smartphones. Só esse dado já é muito significativo. A informação chega às pessoas por fontes variadas e, com ela, o desejo de ter novas experiências, de ter opções e ter poder de escolha. 

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Saúde deixou de ser uma entrega de commodity para se tornar um negócio de experiência. Os médicos que eram impedidos de CFM de fazer publicidade, agora tem perfis com milhares de seguidores no Instagram para falar sobre os mais variados temas de saúde e os hospitais vendem hotelaria e investem em branding.

No último Ranking DX das 100 marcas mais valiosas do Brasil, divulgado no final de 2023 pela revista Meio & Mensagem, duas marcas eram operadoras de planos de saúde e duas marcas eram hospital e laboratório. 

Nesse contexto, as empresas de acesso à saúde, que sempre estiveram à margem do mercado, e que agora ocupam uma fatia muito parecida com a dos planos de saúde, despontam oferecendo serviços pay-per-use, redes credenciadas à altura dos planos e jornadas cada vez mais sofisticadas. Seus principais players investiram tempo e dinheiro em propor e testar soluções para um problema crônico.

E por que funcionou?

Porque na ausência de legislação específica, a modulação da entrega foi feita por um personagem muito importante: o “cliente”. 

Agora, em meio ao adiamento da votação da PL dos Planos de Saúde e movimentos de grandes grupos almejando pela autorização para entrada nesse novo modelo de negócio, aguardo ansiosa por cenas dos próximos capítulos e espero que o consumidor não seja prejudicado. 

*Glaucia Saffa é CMO da TEM Saúde




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