Experiente corretor de seguros e consultor de negócios, Richard Furck avalia o posicionamento da Fenacor e mensura os efeitos da Lei Complementar 213 na indústria securitária e na sociedade
O mercado de seguros nacional desenhou e colocou em prática projetos visando aumentar a sua participação na vida dos brasileiros. Esse posicionamento ficou ainda mais claro nos últimos anos com a criação e o avanço das insurtechs e com a flexibilização das leis, tendo como protagonista o Sandbox Regulatório da Susep.
A modernização está sendo fundamental para o setor, mas o crescimento da adesão a seguros como o de automóvel, por exemplo, ainda é tímido: segundo o último levantamento da CNseg, a frota de veículos segurados continuou perto dos 30%.
Nesse ínterim, as Associações de Proteção Veicular, atuando sem regulamentação, cresceram e atingiram um público que estava fora do radar das companhias seguradoras: donos de carros mais velhos. Esses veículos apresentam maior risco e geralmente não são cobertos se tiverem mais de dez anos. Ao mesmo tempo, a frota de veículos em circulação está envelhecendo. De acordo com o último levantamento do Sindipeças, em 2023, a idade média foi de 10 anos e 10 meses para carros e de 8 anos e 4 meses para motos
“Sabe-se que o encarecimento do valor do veículo devido à incorporação de novas tecnologias, seja por itens de segurança ou energia limpa, além das altas taxas de juros, nível elevado de inadimplência, dificuldade de obtenção de crédito e desvalorização cambial não oferecem um cenário propício para alterar essa realidade”, informou o sindicato.
Recentemente, a Presidência da República sancionou a Lei Complementar 213, que regulamenta a operação das cooperativas de seguros. A norma também regula as operações de proteção patrimonial mutualista. A medida abrange, por exemplo, as chamadas associações de proteção veicular que poderão funcionar como “grupos de proteção patrimonial mutualista”.
Em entrevista exclusiva, o consultor de negócios e experiente corretor de seguros, sendo fundador da H&H Seguros, Richard Furck, avalia quais são os avanços e projeta os desafios da regulamentação das cooperativas.
Seguro Nova Digital – Quais serão os primeiros impactos que o setor de seguros tradicional deve sentir com a regulamentação das cooperativas de seguros?
Richard Furck – A LC213, que regulamenta as associações de proteção mutualista, abre um novo caminho para a regularização de entidades que já atuavam à margem do mercado.
No entanto, trata-se de um dispositivo ainda muito recente e que ainda deixa inúmeras lacunas em pontos que considero cruciais: a questão do capital técnico e solvência das entidades, a responsabilização sobre os riscos e a capacidade de vigilância e punição a ser exercida pela SUSEP. Assim, creio que ainda deve demorar algum tempo para uma maturação suficiente para que possamos sentir algum impacto efetivo no mercado.
SND – Você acredita que, com a regulamentação, muitas dessas empresas devem encerrar suas atividades?
RF – Infelizmente, não. Acredito que apenas uma pequena parcela das entidades de proteção terá capacidade ou mesmo interesse para se adequar às novas normas. Porém as demais, que já atuavam irregularmente, sem nenhuma fiscalização ou punição, lamentavelmente seguirão operando ainda pelo Brasil.

SND – O pagamento de indenizações está crescendo no Brasil. Na sua opinião, as cooperativas têm capacidade de assumirem riscos financeiros do tamanho que o setor precisa?
RF – Sabe-se que algumas destas associações de proteção veicular são verdadeiros gigantes corporativos, possuem muito capital e capacidade de organização, e podem se adequar e trazer boas soluções para o mercado. Resta saber se elas terão interesse em operar dentro das normas ou se entendem que atuar à margem é mais lucrativo e interessante. Tudo isso vai depender da capacidade de vigilância da SUSEP e das sanções que serão aplicadas para as entidades que permanecerem à margem.
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SND – Certamente, é um segmento que vai escalar. Quais são os pontos que podem ajudar e prejudicar a população que hoje não contrata nenhum seguro?
RF – De fato um mercado como o Brasil não pode permanecer com a imensa maioria de veículos circulantes sem seguros. Hoje, o percentual aproximado de automóveis de passeio segurados é menor que 30% e vem se reduzindo a cada ano, pois a frota está se envelhecendo. Os números são ainda mais assustadores quando observamos que apenas 6% das motos e 10% das vans e vucs possuem seguro, e 90% dos caminhões com mais de 6 anos estão descobertos.
A nova lei deve permitir que empresas entrantes possam desenvolver novos produtos para atender a esse imenso público, que hoje não encontra respaldo no mercado, e encontra-se à mercê de entidades irregulares, que prometem proteção mas não cumprem.
Outro efeito positivo possível, é o de que, à luz de novos produtos, algumas seguradoras tradicionais possam se “motivar” a perseguir esse mercado ávido por proteção criando produtos mais simples e acessíveis.
SND – Como você avalia o posicionamento e até a articulação política favorável da Fenacor à regulamentação desse setor?
RF – Numa opinião pessoal, entendo que a participação e posicionamento da Fenacor nesta medida foi bastante acertada, pois atende aos interesses de um enorme público que necessita de proteção, aliado ao corretor, que desenvolve um papel essencial como “fiscal” e consultor nesse novo processo de distribuição.
Além disso, cria uma concorrência necessária e saudável para o mercado de seguradoras e insurtechs existentes hoje, com condições equânimes para todos os players.
Vale lembrar ainda que num passado recente estivemos em um forte debate sobre mudanças regulatórias que de início consideraram até a exclusão do corretor como parte importante no processo de distribuição de seguros, em virtude da falta de maior aprofundamento e conhecimento da dinâmica do nosso mercado.
Justamente por isso, é essencial que a FENACOR estreite os laços com todas as entidades regulatórias a fim de fomentar o debate, trazer subsídios e apoiar a evolução do mercado de seguros brasileiro.
SND – O corretor, principal agente de distribuição do mercado de seguros, deve começar a vender proteções das cooperativas?
RF – Sim, com ressalvas.
Em 35 anos atuando no mercado de seguros, sempre achei que o papel do corretor sempre foi, e deve continuar sendo, o de conhecer profundamente as necessidades do consumidor de seguros e encontrar todas as soluções de proteção patrimonial e pessoal disponíveis para os riscos existentes.
Mas, como já mencionei, as mudanças da nova lei serão lentas e graduais.Por isso, o corretor deve manter seu papel de vigilância sobre quem são seus parceiros, ficando atento às entidades que se adequarem às normas de solvência e responsabilização, e ofertando seus produtos quando sentirem que podem confiar nelas, incondicionalmente.
O corretor deve ser um dos principais canais para orientar o segurado diante deste novo cenário, separando o “joio do trigo” e evitando os eventuais “aventureiros” que surgirem.
SND – Espaço para considerações:
RF – Pelo bem ou pelo mal, entendo que as APVs sempre buscaram atender a um público que foi esquecido pelo “Main Stream”.
O Brasil vive uma enorme concentração, pois constam 36 seguradoras listadas no Ranking SUSEP. Porém, incrivelmente, 90% do volume de seguros auto se divide apenas entre as sete primeiras seguradoras do ranking, e pasmem, as três primeiras colocadas possuem metade de todo o mercado.
Para completar esse cenário, ou justamente por causa dele, nos últimos 30 anos, nenhum destes sete principais grupos seguradores demonstrou real interesse em tentar encontrar soluções ou tarifas mais razoáveis para segurar motos, caminhões ou veículos mais antigos. E assim, o mercado de seguros Auto no Brasil segue sendo um verdadeiro “rouba-monte”, no qual as dez primeiras colocadas do ranking ajustam anualmente suas tarifas em busca de conquistar o “bom risco”, com bônus, que está segurado pela congênere.